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O Simpósio do Trovão


por Marcus Santana
< marcus.antoniosantanasantos@gmail.com >.


“Lembrem-se, os deuses não se foram; eles abandonaram as cascas antigas, mas estão vivos e passam muito bem em algum outro lugar.”

JAMES HOLLIS, Ph.D, formado pelo instituto C. G. Jung de Zurich, na sua obra Mitologemas: encarnações do mundo invisível, trad. Gustavo Gerheim, São Paulo: Paulus, 2005, p.159.


* * * * * * * * *

Começou como uma queda de pressão no ar em meio àquela noite inesperadamente fria de julho. Os ventos cessaram. Caiu um silêncio sobre as árvores e imperou uma inércia onde antes reinava a agitação de seus galhos e folhagens. Quem podia, há muito já estava agasalhado, em casa, e agora até as janelas trancava. Os carros passavam cada vez mais esporádicos. As ruas desertas. Não se via estrelas no céu, apenas densas nuvens, cinzas e até avermelhadas. E então o frio aumentou ainda mais. Parecia que a noite estava prendendo a própria respiração, em suspense. Algo estava para acontecer.
Pouco depois, ouviu-se o estrondo da trovoada. A tempestade chegara.
– Não acho que tenha sido uma boa ideia essa reunião hoje à noite – disse o indivíduo alto e negro para o jovem indígena ao seu lado, enquanto fitava a embarcação se aproximar do velho pier, na pequena baía.
Junto com os relâmpagos e os trovões, através das águas escuras e de estranhas neblinas, vinha um drakkar, um navio nórdico ou viking, com três metros de largura, trinta metros de comprimento, duas fileiras de remos laterais, uma vela quadrada e outra triangular com símbolos de raios azuis sobre um fundo escuro e, na proa, a carranca de um horrível dragão marinho. No interior do exótico navio-dragão, dúzias de tripulantes ainda mais exóticos.
 – Agora é tarde para se arrepender. Você me deu a sua palavra. Precisa cumpri-la... Ajude-me, por favor, Ogum – falou o jovem índio.
– Se não tem jeito... Uma lástima que vocês não tenham conseguido um transporte mais eficaz... Ou que alguém como Huracán do México ou o Zu do Iraque não tenha vindo... Facilitaria muito as coisas... Mas tranquilize-se. Farei minha parte. Espero que tudo dê certo, Tupã!
O drakkar estacou de lado na frente do pier.
Em terra, fantasmas de escravos, mascates e coronéis do cacau ainda perambulavam, repetindo o que outrora faziam quando vivos, nos dias quase esquecidos em que aquele pier era um dos muitos do porto fervilhante que ali havia, antes de aquela área, chamada de Dois de Julho, tornar-se o mercado de abastecimento daquela cidade centenária, muito antes de tanto o porto quanto o mercado serem transferidos para outras áreas, e aquela zona, em um misto de elegância e decadência, cair pouco a pouco na obscuridade. Os vivos estavam fechados em suas casas, tentando se proteger da tempestade noturna, mas mesmo se estivessem naquela hora e lugar, nada perceberiam de incomum. Talvez, os mais sensíveis, tivessem um ou outro arrepio.
Do remo-leme lateral da popa do navio-dragão, um grandalhão com cabelos ruivos fez sua voz de trombeta ribombar:
– Deuses do Trovão à bordo! Vamos para a última parada!
Chegara a hora.
Tupã e Ogum seguraram um o antebraço direito do outro, em despedida. Tupã havia planejado tudo aquilo por muito tempo e com muito zelo, e Ogum acabara convencido pelo amigo a ajudá-lo. Sua amizade era bastante estimada por âmbos. Da dupla, por trás, se achegou um grupelho de pouco mais de meia dúzia de indivíduos que até então estava distante do pier, a conversar entre si. Os fantasmas não se aproximavam deles, pois tinham medo. Com a chegada de sua condução, também esse grupo se preparava para embarcar.
Um deles era o orixá Xangô, o Justiceiro, outrora o quarto dos reis lendários de todo o povo yorubá, nos dias do império Oyó, que se situava entre o sudoeste da Nigéria e o sudeste de Benim, na África Ocidental; sempre forte, altivo, o torso nu, a saia de vermelho vivo, munido de seu Oxé, seu machado de dois gumes; e ao seu lado, a orixá Oyá, a mais amada de suas três esposas, a quem gostava de chamar de Iansã, “mãe do entardecer”, de vestes vermelho-alaranjadas e rosáceas, como o céu ao por do sol, munida de uma espada cimitarra e de seu Eruexin, seu chicote de rabo de cavalo, impetuosa, voluptuosa, tão valente e guerreira quanto seu esposo, âmbos com coroas e braçadeiras de ouro. Juntos passaram à frente e entraram no navio-dragão. Eram da mesma origem de Ogum, mas não lhe dirigiram o olhar, em razão de brigas passadas que ainda não estavam bem resolvidas entre os três.
Logo após Xangô e Oyá, subiu à bordo um quinteto que se assemelhava aos traços indígenas de Tupã, mas que também dele se diferenciava. Eram mais como os kichwa ou os aymarás, os indígenas sul-americanos que habitam na Cordilheira dos Andes, embora do tamanho e porte de ogros, com pele azulada, e padrões tribais pintados sobre a pele. Todos os cinco eram deuses incas do trovão. Os dois mais velhos tinham a pele já mais próxima do tom cinzento que azulado, e usavam túnicas brilhantes: um era Catequil, que alguns chamam de Apotequil, e o outro era Intillapa, que alguns chamam de Katoylla e outros de Apu-Illapu, o qual já fora o principal deus do Reino Colla, do povo aymará, antes que a península de Collasuyu fosse anexada ao império Inca, também já há muito extinto. Os outros três, mais novos, que usavam apenas tangas, eram filhos de Intillapa, e eram eles que puxavam pelas rédeas cinco grandes lhamas que irradiavam uma serena luz estelar. Subiram todos à bordo da embarcação levando, inclusive, suas montarias sobrenaturais.
A seguir veio Hinon, um ser antropozoomórfico alado, chefe dos Thunders, o mais poderoso clã dentre os espíritos da tempestade da mitologia indígena norte-americana dos nativos Iroquois. Voara, com suas próprias asas, por vários dias e noites, através do Imanifesto, até chegar a este ponto de encontro, esta noite, onde os deuses do trovão sul-americanos já estavam a esperar. No caminho, fora ao planalto central meso-americano, na recôndita morada de Huracán, o velho deus-serpente da tempestade na mitologia maia, que alguns chamam de Bolom Tzacab, para uma tentativa derradeira de fazê-lo sair da caverna, mas esse mais uma vez se recusou. Disse que “essas reuniões nunca davam em nada”. Que “estava velho para viajar”. Hinon tentou animá-lo, afinal, eram amigos de longa data. Mas Huracán mostrou-se ranzinza e irredutível. Hinon veio sozinho e fora, afinal, o único dos deuses do trovão dos nativos da América do Norte que se dispusera a participar do encontro.
Tupã fora o último a subir à bordo. Se parecia com um índio tupi, recém saído da adolescência, esguio, bonito, a pele morena, os olhos castanhos escuros, os cabelos lisos muito pretos não muito curtos, com um grande cocar em que havia somente uma pena branca no centro acima da fronte, ladeada por uma pena azul de cada lado, seguidas de penas amarelas até o fim de cada lado da fronte e penas verdes para as laterais da cabeça. Tinha no peito tatuado com tinta de jenipapo um mapa do Brasil. Trazia ao ombro um arco longo e às costas uma aljava de setas. Como outros adornos, apenas um anel de  madeira de urucum e uma pulseira de sementes de pau-brasil. Estava bastante nervoso, quando deixou Ogun no pier e entrou no drakkar, quando os olhares de todos se puseram sobre ele, mas tentou se manter firme e sereno. Era o mais jovem dentre todos naquela embarcação, mas fora o idealizador do grande encontro que ocorreria; era o anfitrião ali. Estavam todos em sua casa.
Ogun não esperou o navio-dragão deixar o pier para seguir seu rumo. Mal viu todos embarcarem, ele assobiou e seu cavalo, Embarr, um belíssimo alazão de alvíssima brancura, veio a galope através da rua que levava à Catedral próxima. Sem sela, nem estribo ou arreios, apeou e montou o corcel, com desenvoltura, apesar dos armamentos medievais e da capa que usava, em um movimento fluído. Uma vez com o seu cavaleiro a postos, o alazão partiu em disparada, galopando em pleno ar, por sobre as águas e as neblinas, bem acima do navio-dragão que zarpava, em direção à ponte que liga a ilha, a qual serve de centro da cidade, ao pontal, no continente; situada no ponto em que os rios encontram o mar. Ogun vestia por baixo da capa uma armadura completa, prateada, reluzente e magnífica, e portava uma longa lança férrea de lâmina vermelha. Com a sua montaria sagrada, capaz de correr até à Lua e retornar, sem cansar muito, era um cavaleiro fantástico, inigualável.
Diante da ponte, à qual chegara pouco antes do drakkar repleto de deuses do trovão, que para lá também rumava, montado em seu corcel capaz de percorrer o ar, Ogun ergueu a lança e exclamou com forte voz:
 – Escutai! Vede! Esta é lança de São Jorge! A matadora de dragões! Esta é Lúin Celtchair! A lança do Destino! Esta é Ar-éadbhair! A gloriosa lança de Lugh! Desde que ela me foi confiada, com esta arma derrotei a muitas criaturas vis! Com esta lança, na batalha do fim dos tempos, ferirei a besta do apocalipse, o rubro dragão colossal de sete cabeças e dez chifres, a Serpente Antiga, que provocou a queda do Paraíso dos Primeiros Pais da Humanidade! Esta lança nunca me falhou, nem me falhará! É a derradeira lança da Guerra! Mas também, com esta lança, já selei muitas vezes a Paz! Até com os últimos dragões, para cuja destruição ela é ideal! A isso eu agora evoco! À aliança com os dragões benevolentes! Pelo poder desta santa lança, chamo a vós, ó astuta! Ó sábia! Venha de seu lar nas profundezas da Amazônia! Venha do seu reino no fundo do Grande Rio! Venha, Boiúna, mãe das sucuris! Ó poderosa dragoa ameríndia! Vinde! Guardiã da Natureza no Brasil! Venha agora! Cobra Grande!
E as águas abaixo da ponte se perturbaram.
Borbulharam como se fervessem.
E do ponto em que as águas dos rios e do mar se confudem emergiu uma cobra descomunal, de dezenas de metros, com escamas lustrosas de tom marrom-esverdeado e manchas pretas, e dela exalavam vapores, como se a água não suportasse tocá-la sem evaporar. Embora tivesse sido chamada de Cobra, ela não possuía o “capuz” das cobras, como a naja, nem tinha presas inoculadoras de veneno. Era uma serpente constritora, mas muito maior, como se uma titanoboa jamais tivesse parado de crescer desde a pré-história. Sua cabeça era praticamente do tamanho do corcel Embarr com o Ogum montado nele, e seu tronco era da espessura da embarcação mais abaixo. Atrás dela, a ponte, e à frente dela o navio-dragão não se mostravam tão grandes, e pareciam, em relação a ela, até um tanto frágeis. Diante de seus grandes olhos amarelos, com pupilas em fenda, que pareciam arder com a viva chama da inteligência, semelhantes a dois faróis na escuridão, Ogun, impassível, a pouca distância dela, abaixou a lança, em sinal de paz. A Cobra Grande olhou-o intrigada, viu a estranha embarcação e tripulação logo abaixo, e lhe sibilou:
– Para que me convocas de tão longe a vir até esta fronteira de meus domínios, espírito paladino? – Com sua imensa língua bífida a farejar o ar.
No drakkar, um alvoroço.
Jörmundgandr! – Exclamou Thor, o grandalhão ruivo, no remo-leme, certo de se tratar da demoníaca serpente marinha prole do deus trapaceiro, abismado que até do outro lado do Atlântico as crias de Loki o perseguissem.
Os deuses do trovão se agitaram e se preparavam para disparar seus raios, enquanto esbravejavam sobre uma armadilha em terras estrangeiras e praguejavam nomes como “Leviatã”, “Hidra”, “Azi”, “Zahak” e “Jiaolong”.
Tupã, porém, gritou mais alto que todos eles:
– Quietos! Acalmem-se! Não é um dragão que vocês conheçam! Ela é brasileira! É Mbãetatá, a Cobra de Fogo! Não é maligna! Ela vai nos ajudar!
A maioria dos deuses do Trovão se entreolhou desconfiada. Muitos só haviam tido experiências ruins com dragões. Mas um ou outro, como Hinon, o deus do trovão para os Iroquois, riu-se e disse para si mesmo que seu velho amigo Huracán, o mais rabujento dos deuses maias, que também era um dragão-serpente, realmente perdera uma ótima oportunidade de sair de casa.
Ogun estava concentrado nos olhos da cobra gigantesca.
Mesmo sendo um dragão benevolente, havia protocolos. Era sempre bom ter cautelas. Não desviar o olhar. Transmitir serenidade. Seguir as velhas tradições de respeito para com as serpentes. Afinal, se uma entidade mística-espiritual daquele porte monstruoso lhe desse um bote, daquela distância, iria ser provavelmente o fim do cavaleiro imortal e até do seu cavalo sobrenatural.
– Cobra Grande, estamos todos em paz, aqueles na nau abaixo e este que vos fala. – disse Ogun – Somos, tal qual tu mesma és, entidades místico-espirituais divinizadas, com origem na fé de povos antigos, que, bem ou mal, chegamos aos dias de hoje, às vezes como personificações das últimas lembranças das culturas em que tivemos nossa apoteóse. Precisamos de sua ajuda, apenas um pequeno favor, nada mais. Pois os que estão neste navio aesir seguem para uma Realidade Circundante, um Mundo Mítico-Onírico próximo, que pode (ou não) existir do outro lado da travessia, ao se passar por debaixo desta ponte. A grande maioria deles jamais esteve lá e poderia se perder na miríade de Mundos Circundantes se fizesse essa travessia por si. Tupã e eu, que já estivemos lá, poderíamos levar um por um, mas ir e voltar assim, separadamente, seria até mesmo para nós algo demorado e extenuante. Por isso, se você, que é o dragão benevolente mais perto, pudesse usar seus dons, que todos os deuses-dragões têm, para abrir essa passagem, grande o bastante para todos passarem de vez, o navio inteiro e todos nele, para a Realidade correta, ficaríamos imensamente agradecidos!
A Cobra Grande assentiu, com o menear de sua cabeçorra, e disse:
– Pode ser feito, mas alguém terá de pagar o preço.
Ogun e Tupã mais uma vez se entreolharam, mesmo à distância. Ogun procedeu conforme o deus tupi havia planejado, dizendo à Cobra Grande:
– O preço – E Ogun apontou, devagar, com a lança para a nau – Será pago por Tupã, o jovem deus do Trovão de seu próprio panteão, ó, Mbãetatá.
A Cobra Grande olhou como que admirada para Tupã, ao qual conhecia desde que fora concebido, cerca de meio milênio atrás, e que vira crescer e se desenvolver, desde que era pequenino, um curumim, uma mera ideia ou vislumbre de divindade. O olhar de resposta de Tupã era decidido.
– Pois bem. Se é o que desejam... Façam passar o barco, com todos dentro, por baixo da ponte, sem demora – Falou a Cobra Grande – O preço justo foi aceito e está pago e a passagem não ficará por muito tempo aberta.
A gigantesca divindade feminina serpentiforme ergueu a cabeçorra e, enquanto a balançava, soprou uma baforada de fogo que se ergueu às alturas, como se incendiasse as nuvens tempestuosas, à medida em que seu corpanzil imergia nas águas, no oscilar próprio das serpentes, até que as labaredas cessaram, a Cobra Grande afundou completamente e as águas deixaram de ferver e ela desapareceu inteiramente dali; de volta para o seu próprio reino.
Tupã, naquele momento, sentiu todas as suas energias serem drenadas. Sua força se esvaiu. Seu vigor desvaneceu. Sua juventude lhe deixou. Onde antes estava o mais jovem alí, restava agora um velho índio, talvez um dos mais velhos no barco, repleto de rugas, arqueado, com até o último fio de cabelo grisalho. Xangô o segurou pelo braço, por um lado, e Oyá o segurou pelo outro lado, para que Tupã conseguisse se manter em pé. Estava exaurido.
Diante da embarcação, o ar entre as pilastras embaixo da velha ponte tremeluziu. O Imanifesto da Realidade central em que estavam se abria para alguma Realidade periférica, o mundo em que Tupã queria fazer o congresso.
            Ogun, aliviado de que sua parte no plano fora executada a contento, cavalgou para mais perto do navio-dragão e passou por ele, em direção ao pier, velozmente, dizendo, na passagem pela embarcação, em alta voz:
            – Agora é contigo, Tupã ! Deuses do Trovão, a todos um bom Simpósio!
            E logo Ogun e seu corcel, Embarr, estavam na margem.
Os deuses do Trovão ainda estavam estupefatos. Mas era preciso avançar, antes que a passagem se fechasse.
O drakkar seguiu adiante e atravessou por baixo da ponte.
Um relâmpago rasgou o céu.
As chuvas desaguaram.
E pouco após os trovões rugiram, como se montanhas de ferro fossem arrastadas através do firmamento; mas o barulho minguou, ficou para trás.
Do outro lado da ponte, além da passagem, na nova Realidade, não havia tempestade, nem noite, nem barulho.
Era uma manhã ensolarada; o céu límpido, o mar verde-azulado.
– Maldição, Tupã! – Ralhou Thor, lá do fundo do barco – Se você me houvesse dito que algo assim seria necessário, eu teria insistido mais com meu pai, Odin, até ele me autorizar a zarpar de Ásgard com Naglfar! Aquele maldito navio feito todo de unhas das mãos e dos pés de defuntos pode até ser mórbido e nojento, mas também pode atravessar as fronteiras entre quaisquer mundos! Se tivesse me contado que pretendia algo assim, não o consentiria! Teríamos encontrado outro jeito! Ou faríamos esta assembleia em outro lugar!
Tupã, velho, cansado, sorriu.
– Aquieta teu coração, deus do Trovão nórdico! – disse Tupã, com os olhos quase fechando – O sacrifício precisava ser feito. E está feito.

* * * * * * * * *

– Foi mesmo? Então foi isso que ele fez? – disse o Grande Pai dos Tupis e dos Guaranis – Sabia que ele havia preparado planos de contingência, mas não sabia deste em especial. Sagaz esse meu filho. E corajoso também.
– Destemido ele é realmente, Yamandu – disse Zeus – Mas também bastante temerário! Quase se destruiu só para nos trazer a esta realidade.
Tupã, deitado na rede, parecia tão velho quanto seu pai, Nhamandu, que alguns chamam de Nhanderuvuçú, o Pai Celestial do maior e principal panteão indígena brasileiro, respeitado até pelas minorias que não possuem panteão.
Nhamandu olhou para o seu filho caçula, ainda inconsciente, e sorriu. Acariciou os cabelos grisalhos de Tupã em um misto de carinho e orgulho; e respondeu ao seu camarada Zeus, o Pai Celestial do panteão Olímpico:
– Tupã calculou os riscos. Tenho certeza que Mbãetatá drenou dele apenas o estritamente necessário para abrir a passagem, e que Tupã contava com isso. Se fosse qualquer outro, ela teria drenado mais, guardado uma parte da energia para si como paga pelo serviço prestado. Mas a Cobra Grande e Tupã se conhecem há séculos e sempre tiveram boas relações. E foi graças a isso que ele subsistiu – Disse Nhamandu, sereno – Além do mais, Tupã sabia que eu estaria aqui, a aguardá-lo, e que cuidaria dele. E que neste lugar em especial ele poderia se recuperar rápido e bem como em nenhum outro.
Zeus franziu o cenho:
– Aqui realmente é um mundo paradisíaco. Mas a que te referes quando dizes que aqui ele pode recobrar suas energias melhor que em qualquer outro?
– Isso, deus do Trovão grego... – Disse Tupã, despertando, a voz ainda embargada – É parte da exposição inicial deste Simpósio, que logo devo fazer.
– Oh, Tupã, mal despertas e já quer tratar de negócios! – gargalhou Zeus – Esse teu filho é muito sério, Yamandu! Pensei que teríamos o resto do dia para comer e beber, e algumas ninfas para nos entreter durante a noite, e que amanhã faríamos a tal reunião! Acabamos de chegar! Para que a pressa?
Nhamandu ajudou Tupã a se erguer da rede. Mais pareciam dois irmãos indígenas idosos do que pai e filho; passariam até por gêmeos. E, dentre os dois, Tupã era o mais fraco e abatido, embora já estivesse um pouco melhor do que naquele momento em que suas forças foram drenadas.
Daquela clareira onde estava a rede, entre dois grandes coqueiros, aproximou-se Thor, sorridente. Pôs-se ao lado de Zeus, vendo Tupã se erguer com a ajuda de Nhamandu, e, quem os visse, acharia que Zeus e Thor também eram parentes, por serem ambos ruivos, fortes e encorpados, embora Thor aparentasse ainda estar perto dos quarenta anos, e Zeus já estivesse mais para os sessenta. De fato, até no temperamento Thor e Zeus eram muito parecidos, e gostavam mesmo um do outro como grandes amigos e irmãos.
– Que bom que acordaste melhor, Tupã! – Disse Thor – Estávamos todos preocupados! Agora sim, já podemos abrir os festejos! Os deuses do Trovão estão maravilhados com as belezas daqui. Mas aguardavam notícias sobre ti antes de explorarem esta nova Realidade e se deleitarem com ela!
De pé, Tupã tentou caminhar sem ajuda, e, mesmo, com dificuldade conseguiu. Nhamandu, Zeus e Thor estavam próximos caso fosse necessário.
– Os deuses não devem se dispersar! – Disse Tupã – Após terminarmos nosso Simpósio, todos poderão fazer o que bem entenderem. Mas agora não temos tempo a perder. Devemos começar oficialmente nosso congresso.
Zeus e Thor achavam graça de tanta seriedade em um deus tão jovem. Na idade dele, não pensavam nem de longe em política e formalidades. Mas admiravam o rapaz. Era uma façanha por si reunir tantos deuses, tão cabeças-duras quanto os do Trovão, dos mais diversos panteões ao redor do mundo.
– Muito bem, e para onde devemos pedir que todos se dirijam? – Disse Zeus – Ou será na praia mesmo que se darão nossos colóquios?
– Há um outeiro próximo, cujo cume está preparado para recebê-los – Falou Nhamandu – Informem a todos que para lá devemos seguir.
Tupã assentiu. Zeus e Thor concordaram. Foram avisar os demais.
E para o alto do morro escolhido foram aqueles deuses todos.

* * * * * * * * *

A visão a partir do cume daquele outeiro era esplêndida. O sol da manhã aquecia sem incomodar, e estava radiante no céu. A Natureza era exuberante. Mais que isso até. As cores em tudo eram tão vibrantes que pareciam que iam ganhar vida própria e pular para fora das coisas que elas coloriam. De lá do amplo cume, cerca de uma centena de metros acima do nível do mar, viam-se as praias abaixo, os mares abraçando as terras, em um espetáculo encantador. O drakkar estava ancorado na pequena baía abaixo, onde não havia porto e nem pier algum. As montarias sagradas e animais sobrenaturais trazidos pelos deuses do Trovão já haviam sido alimentados e tratados por Nhamandu, que parecia ser dotado da onipresença ou da onipotência, pois conseguia dar conta de tudo, providenciava tudo, sem nem ser possível notar como fez tudo aquilo.
 Diversos elementais brincavam nas águas, nas matas e nos ventos. Quem olhasse distraidamente poderia até pensar que eram animais comuns, voando na vastidão do céu azulado, cruzando a mata ou dando piruetas nos rios e no mar, porém, olhando-se com atenção, via-se que eram mais do que isso. Eram seres fantásticos, pura expressão das forças e energias fundamentais da Natureza, tão extraordinária e majestosa nesta realidade. Tudo era belo. E os deuses, sentados em círculo, em tocos de troncos e grandes pedras polidas que faziam as vezes de banquetas, sentiam-se invadir por uma imensa sensação de tranquilidade e bem-estar. Para deixá-los todos ainda mais à vontade e confortáveis, Nhamandu havia providenciado bastante água de côco e um banquete com diversas verduras e legumes cozidos, pirão, e variadas frutas tropicais descascadas e bem cortadas para todos os deuses, todas elas deliciosas, polpudas e suculentas.
Os deuses podiam ser sobre-humanos em muitos aspectos de vigor, força e poder, mas eram bem humanos em todo o restante. Se algo era gostoso para uma pessoa comum, certamente também o seria para os deuses de sua crença, ao menos no mundo antigo. Os povos antigos acreditavam que os deuses podiam mergulhar em tudo o que mais gostassem à vontade, sem maiores consequências negativas, e experimentar aqueles prazeres e alegrias indefinidamente, como os pobres mortais queriam tanto fazer e não podiam. Havia assim uma projeção na esfera do divino daquilo que era o melhor das vidas humanas de maneira não mais pontual e esporádica, mas abundante e eternizada. Quem dos mortais podia viver assim também, afinal, vivia como um deus. Não era tanto uma questão de ser hedonista, mas de saber viver bem, de saber aproveitar o bom da vida. Os deuses é que sabiam viver.
Quando estavam todos acomodados, Tupã se levantou e tomou a palavra para saudar a todos e lhes dar as boas vindas. E depois iniciou:
– Meus caros convidados! Já sabem aonde estamos?
Houve um silêncio na assembleia divina. Os deuses podem ver através do Limiar das Manifestações, desde os Aspectos Manifestos dos mundos até o Imanifesto de cada realidade; podiam distinguir as composições energéticas, de energias muito além das físicas, que compõem todas as coisas, inclusive os espíritos, os sentimentos, a vida e a morte, o espaço e o tempo, e a magia.
– É como a Realidade central da qual proviemos, mas sem as cidades, e quase sem pessoas, com elementais em vez de criaturas animais; apenas a Natureza, no ápice de seu esplendor e harmonia – Disse Indra, o mais antigo e sábio dos deuses do Trovão, com a aparência de um idoso monge indiano de cabeça raspada e pele morena, bem enrugada, magro, alto e com quatro braços, vestido numa túnica de cor vermelho-alaranjada sobre a qual caia uma capa ou manto azul escuro – Mas este mundo não é uma versão mais diáfana ou espiritualizada daquele nosso; a concentração de energias etéricas é basicamente a mesma, e a de energias elementais, do Yin e do Yang é até um pouco maior. Menor é a razão de energias taumatúrgicas e umbraicas, e a proporção de energias teúrgicas é bem maior. Este é um mundo de matriz material quase como o dos humanos, mas feito para ser sempre um paraíso.
 A análise de Indra fora precisa e houve um burburinho de elogios e reflexões acerca das implicações do teor dessa fala do deus erudito.
– Deve ser a região paradisíaca em que minha irmã e esposa, Hera, plantou seu jardim secreto para guardar a sagrada árvore de pomos dourados que concedem a imortalidade que Gaia, a proto-deusa Mãe-Natureza greco-romana, deu-lhe como presente de casamento, quando ela aceitou se casar comigo; a misteriosa ilha ocidental vigiada pelas Hespérides, as deidades do poente, e pelo grande dragão-serpente, Ladon, o multicéfalo – Disse Zeus, o deus olímpico do Trovão – Ou talvez as Ilhas dos Abençoados ou Afortunados,  em que meu pai Cronos colocou os Campos Elísios, que jamais são tocados pelo inverno, como destino de recompensa dos mortais mais nobres e puros.
– Talvez seja a Insula Pomorum, a ilha das árvores frutíferas, a que os bretões chamavam de Avalon – Disse Taranis, divindade céltica do Trovão – Também se diz que lá as fadas instalaram o seu reino, o País do Verão. É um lugar encantando como este, para os de fora oculto por misteriosas brumas.
– Pode ser Hy-Breasail, então, a ilha mítica do ocidente que é encoberta em névoas exceto por um dia a cada sete anos, aonde só conseguem aportar os mais dignos e poderosos – Disse Tuireann, deus do Trovão da mitologia irlandesa – Ou, quem sabe, Tir-na-Nog, a terra da eterna juventude, a “Terra do Nunca”, da qual provieram os Thuata dè Danann, meus antepassados.
– Também pode ser Gaawiki – Disse Kane-Haikili, deus havaiano do Trovão – Aquele paraíso lendário de onde vieram, em grandes naus capazes de singrar o Oceano, os antepassados dos maoris que passaram a habitar as miríades de ilhas da Polinésia e depois povoaram a Nova Zelândia e o Havaí.
A essas palavras, Tāwhirimātea, o deus neozelandês do Trovão, e a sua esposa, Whaitiri, a deusa do Trovão na mitologia maori, de imediato iniciaram uma salva de palmas,  que foi logo seguida pelos seus familiares ali presentes.
– Com todo o perdão, provavelmente deve ser Onogoro-jima – Disse Raijin, também chamado de Raiden-Sama ou Kaminari-Sama, a divindade do Trovão na mitologia japonesa xintoísta, um deus-demônio de pele avermelhada, dentes e garras afiadas, longos cabelos brancos, e um tambor cuja menor batida produzia estrondosas trovoadas, junto ao qual normalmente estaria Raijuu, a besta do trovão, um grande elemental híbrido de eletricidade e de fogo na forma de um lobo azul e branco, de quem ele cuidava como seu animal de estimação, mas que nesta hora brincava nas praias com as lhamas estelares que serviam de montaria aos deuses incas – A ilha perdida de Onogoro foi a terra primal em que Izanagi, nosso Grande Pai, e Izanami, nossa Grande Mãe, desceram do Takama-ga-hara, a Planície Celestial, lar dos Amatsukami, os deuses sublimes, através da Ame-no-uki-hashi, a Ponte Flutuante do Paraíso, para fazer nascer e consolidar o nosso mundo, por meio de sua sagrada união sexual, produzindo por meio dela o mar, os rios, as árvores, as montanhas e toda a Natureza, com suas forças elementais, das quais a última foi o fogo.
– Este servo não quer discordar, mas tem razões para crer que muito possivelmente devamos estar em P'eng Lai Shan, a ilha paradisíaca jamais vista pelos humanos aonde habitam os imortais – Disse Lei Gong, divindade do Trovão na mitologia chinesa taoísta, cujo aspecto amedrontador tinha uma face azul, com bico de pássaro, asas de morcego, garras, assim como sua esposa, que o acompanhava, Dianmu, também conhecida como Lei Zi, a deusa do relâmpago –  Ou talvez seja Fu-Sang, ou a terra encantanda de Xuan Pu, ou quem sabe Yao Chi, a morada dos deuses, onde reside  Yaochi Jinmu, também chamada de Xī Wáng Mŭ , a Rainha Mãe do Oeste, que cultiva o sagrado pessegueiro que a cada três mil anos produz um pêssego que concede a imortalidade, e distribui a prosperidade, a longevidade e a bem-aventurança.
O comentário de Lei Gong foi levado muito a sério pelos representantes dos Imperadores do Trovão e Generais do Trovão, que existiam em número de pelo menos 12 para cada ponto cardeal, mas não puderam vir todos, então, enviaram apenas uma pequena delegação como sua representativa. Zeus e alguns outros ali também estavam convictos de que em algum ponto destas regiões de paraíso havia alguma divindade cultivando alguma Árvore da Vida.
– E porque não, a misteriosa terra de Buyan? – Disse Perun, deus eslávico do Trovão e Pai Celestial do panteão russo – Ela é capaz de afundar e emergir nas águas do Oceano, jamais duas vezes no mesmo local! Lá nessa terra de paraíso e riquezas é que têm origem todos os ventos e as chuvas!
Quando se viu, a maioria dos deuses já estava em calorosa discussão. Pois cada qual já tinha suas respostas, em seus próprios mitos, e não abria mão disso, e no ímpeto de se mostrar o único certo, não escutava que, ao seu modo, todos estavam falando, sob diferentes aspectos, da mesma realidade.
Enquanto isso, Tupã e Nhamandu se riam consigo. E Indra observava sem se envolver, sereno, pois desde logo compreendera a questão.
Aos poucos, os deuses foram se dando conta, dos risos de Tupã e Nhamandu, da serenidade de Indra, e foram, um a um, notando o que se passava e silenciando. O último foi Thor:
– Aqui é só uma interseção entre Midgard e Vanaheimr que eu ainda não conhecia! Um anexo do Valhalla! É isso! Ponto final!
E então até ele se deu conta que todos já estavam em silêncio, e que a continuidade daquela discussão não tinha mais qualquer sentido.
– Creio que ninguém aqui está totalmente errado, meus caros deuses do Trovão... Nem o Thor! – Disse Tupã, com gracejo, provocando breves risos. – Esta é uma realidade mítico-onírica na periferia daquela realidade central de cujo Imanifesto todos nós viemos. O acesso a esta realidade é mesmo bem complicado, muito mais restrito do que nas demais realidades nesta Dimensão, exceto de tempos em tempos, quando se sobrepõe ao nosso mundo. A geografia nesta realidade é igual a daquela da qual viemos, mas totalmente dominada pela Natureza, pela magia, pelas forças elementais. O tempo no mundo do qual viemos passa relativamente bem mais rápido do que neste mundo aqui, por isso, não podemos perder tempo nestas paragens. Vamos aproveitar bem o nosso tempo! Porém, aqui o fluxo de energias vitais e místicas do tipo que alimentam a magia divina é mais intenso do que na nossa realidade central, e isso permite que até um ser mortal possa viver aqui como um imortal, quanto mais deuses como nós!
– Cada um de vocês atribuiu a este mundo os nomes pelos quais considera que ele é conhecido em sua própria mitologia, e interpretou esta realidade à luz de sua própria cultura. E todos fizeram isso muito bem. – Prosseguiu Tupã, e, à medida em que falava, envolvia a todos na dinâmica de sua fala, animava-se, demonstrava que se sentia mais seguro e auto-confiante e parecia até que rejuvenescia – Os povos de cuja crença meu pai e eu extraímos nossa divindade sempre chamaram esta realidade de Yby marã-é’yma ou Yvy marã-e’, a “terra sem males”, ou a “Terra sem Mal”. Alguns feiticeiros ermitões desses povos, os Caraíbas ou Karaís, conseguiram chegar a esta realidade e voltar para anunciá-la. Desde então, membros de diversas tribos de nossa gente conseguiram passar para cá e se estabelecer aqui e ali, e nós viemos junto. Também há aqui alguns elfos, gnomos e outras fadas por aí. Mas todas esparsas. Se andar bastante, pode-se topar às vezes com um sátiro ou caipora. Mas aqui tudo ainda é essencialmente despovoado. E os que aqui habitam só possuem o caminho de se integrar completamente com a Natureza; na verdade, não são capazes de deixar essa comunhão. Foi assim que constatei que este é o paraíso terreal referido no Gênesis. Este é o Éden.
– Porque nos trouxe aqui, Tupã? – Indagou Zeus – Para que tanto esforço de sua parte em nos reunir, e fazê-lo especificamente nesta realidade?
Tupã não titubeou. E continuou a escancarar os seus segredos:
– Descobri que esta realidade não é só um mundo, mas também um deus – Falou Tupã, já rejuvenescido a meio caminho entre a idade de seu pai e aquela que tinha antes de ser drenado – Esta realidade inteira é viva, possui uma inteligência própria, e tem desenvolvido tantas interações com os seres viventes das realidades próximas, tantas relações com o inconsciente coletivo da humanidade, quanto qualquer um de nós, ou até mais que todos nós. O Éden continua uma divindade tão potente quanto sempre foi porque sempre soube se reinventar e me deu boas pistas de como nós também podemos fazer isso e evitarmos o caminho em que infelizmente estamos de definharmos sem as energias da crença para nos abastecer, até perecermos no esquecimento...
Houve exclamações admiradas; um burburinho rapidamente contido.
– Então devemos acreditar nisso, Tupã? Os deuses do Trovão podem crer nisso? – Disse Teshub, deus do Trovão na mitologia hurrita, que tinha um aspecto meio pedregoso e empoeirado – Que o mais inexperiente dos deuses que aqui se encontram foi o que achou a resposta para o grande mal que há séculos aflige a nossa estirpe? Veja bem, isso é difícil de acreditar, até quando um deus é quem diz para outro... Mas creio que tu mereces dizer... E todos merecemos o escutar! Até porque praticamente nada temos a perder nessa questão... Em especial quando recordo o que houve com o nosso antepassado, Tarhunztwanna, o velho deus anatólico do Trovão, do qual ninguém mais lembra direito... Ele ficou uns mil anos sem nem sequer ouvir o seu nome ser corretamente pronunciado, e pereceu à míngua, até virar um monólito em erosão... Não quero acabar como ele... Creio que nenhum de nós aqui quer isso! Então... Fale, Tupã! Se podes nos ajudar, fale-nos logo como seria isso!
– Isso mesmo, Tupã – Disse Intillapa, um dos velhos deuses incas do Trovão – Esclareça-nos! Se esta realidade-viva, se este paraíso terreno, como dizes, é em si uma divindade, como conseguiu manter consigo a força da crença que canaliza as energias que nos sustentam enquanto deuses?
Todas as atenções estavam sobre Tupã, com ansiedade.
Nhamandu ficou a observar, contente, como seu filho se saía bem. Tupã tinha toda uma plateia de deuses predominantemente estrangeiros e bem mais velhos que ele sedentos por escutá-lo. Realmente, seu curumim crescera.
Após breve silêncio, Tupã declarou:
– Desde a antiguidade, esta divindade-paraíso tem alimentado nos mortais um “misticismo cosmológico”, a ideia de que a Natureza tem uma ordem e harmonia próprias, e que da contemplação disso se pode extrair conscientemente os princípios que servem de base para a ética e para a filosofia, e os alicerces da política e do direito; a ideia de que cada coisa tem o seu lugar devido, o seu propósito no mundo, e que a felicidade é atingida ao se inserir, enquanto um micro-cosmo, em perfeita sintonia nessa ordem e nessa harmonia do macro-cosmo. Esse ideário acabava por estimular uma espécie de crença intuitiva na Natureza enquanto algo completo, orgânico e divino.
– No campo filosófico-religioso, estimulou principalmente o Panteísmo, a crença de que tudo e todos no mundo compõem uma mesma divindade, que não é diferente da Natureza; a crença de que não há necessidade de um deus pessoal, antropomórfico, criador, para conduzir tudo, mas que a divindade deve ser algo imanente na totalidade do mundo, uma unidade abrangente e auto-consciente, que se expressa de muitos modos, e por vezes possui ciclos e transformações, mas que permanece essencialmente sempre a mesma, como uma lógica intrínseca às leis naturais. Matriz de crenças essa que está bem difusamente presente na base de muitas concepções místicas sobre o universo eterno e cíclico, e de alguma cosmovisões mais filosóficas sobre as constantes inteligíveis inerentes à realidade, e até de algumas visões de mundo mais contemporâneas, que recorrem até a novas formas de poesia cientificista em seus mitos, como as que se referem às flutuações quânticas no vácuo. 
– Em tempos recentes, a divindade-paraíso se renovou mais uma vez e encontrou sua nova fonte nas crenças que giram em torno de certos valores e ideais da consciência ambiental. Não notaram pelo menos nas últimas décadas a expansão súbita dessas crenças? De que é preciso se preocupar com os ecossistemas e biomas, defender as espécies ameaçadas da extinção, buscar formas de diminuir a emissão de gases que maximizam o efeito estufa e promovem a aceleração do aquecimento global, evitar as queimadas, combater o desmatamento, lutar contra a poluição do ar e das águas, minimizar o desperdício de recursos naturais, reaproveitar, reciclar, reduzir a produção de resíduos e lhes dar um tratamento adequado, investir em novas matrizes energéticas mais limpas e renováveis, conciliar o crescimento econômico com a preservação do meio ambiente para atingir um genuíno desenvolvimento que traga mais qualidade de vida para as populações humanas, no presente e também para as futuras gerações, repensar os estilos de vida predatórios e procurar em tudo promover uma responsável sustentabilidade sócio-ambiental...
– Não é preciso acreditar no Jardim do Éden, embora muitos realmente acreditem, e isso seja ótimo para essa divindade-paraíso, mas se houver a crença ou ao menos a simpatia para com esses ideais e práticas acima, esta realidade-viva e inteligentíssima, o Éden, consegue se beneficiar disso. Essas foram até agora as suas principais táticas para atravessar os séculos, sem perder a sua potência divina, e isso sem nem entrar nos detalhes dos cientistas que dedicam suas vidas a investigar certos aspectos da Natureza e nos artistas que louvam a Natureza em poemas, quadros, músicas, filmes, etc.
– Esse é o segredo para os deuses sobreviverem à pós-modernidade. Criatividade, ressignificação, versatilidade, abertura e, sobretudo, unidade.
– Unidade? – Estranhou Hinon, deus do Trovão para os Iroquois – Como assim? O Éden fez tudo isso sozinho, não? Porque precisamos nos unir?
Tupã já não parecia velho; parecia um adulto maduro, sem muitas rugas, sem cabelos grisalhos, bem mais forte e encorpado que antes. Ele transparecia estar no domínio; era um líder-nato e ganhava pouco a pouco a todos ali.
– O Éden sempre esteve mais ou menos associado com as deusas-mães dos nossos panteões – Disse Tupã – Isso mesmo, nossas esposas, amantes, irmãs, filhas e mães. As divindades femininas da fecundidade, da fertilidade, da beleza, do amor, do sexo, da gravidez, dos partos, da maternidade, das plantas e dos animais, da primavera e do verão, da Natureza, da terra, das águas e das suas forças elementais, em cada uma das nossas famílias divinais.  Sim, elas mesmas... E elas também estiveram aqui, nesta realidade-viva, secretamente, como nós também estamos agora. Todas elas. Lá no ano de 1972. E aqui fizeram um pacto sagrado e fundamental umas com as outras e com esta divindade-paraíso: de que iriam ser leais ao arquétipo de Deusa-Mãe, respeitarem-se e amarem-se umas às outras como se fossem elas mesmas e viver uma Unidade Arquetípica. Com isso, elas desde então tem compartilhado com o Éden todas as energias da crença na Mãe-Natureza, e naqueles ideais do ambientalismo, da sustentabilidade, etc.
Muitos tomaram aquilo com grande espanto.
– Unidade Arquetípica? – Balbuciou Thor – Mas não pode ser! Isso é impossível! Não acredito que as Deusas-Mães de nosso panteões fizeram isso!
– É verdade! – Exclamou Oyá, também chamada de Iansã – Nossa mãe primordial, Odùduwà, que personifica para nós a divina Mãe-Terra, recebeu de modo secreto o convite, em nosso panteão yorubá, para integrar essa Unidade, a que Tupã se referiu, com as outras deusas supremas do mundo, formando algo que ela nos explicou pela designação de Íyámi Oxorongá ou simplesmente Íyá Nla, que é essa comunhão espiritual das “Grandes Mães”. Nossa matriarca, Odùduwà, então repassou secretamente o convite para suas filhas, as Iyabás, as orixás mães-rainhas, para que também fizessem parte desse pacto. Sei que Oxum e Iemanjá aderiram a ele há tempos, e sempre insistiram para que eu também fizesse parte desse pacto. Mas particularmente ainda não o aceitei.
O espanto de muitos deuses com essas palavras de confirmação foi enorme, mas nenhuma reação foi maior do que a do próprio Xangô. Ele olhava incrédulo e perplexo para a sua terceira esposa.
– Porque nunca me contaste isso, Iansã? – Disse Xangô, totalmente embasbacado – Porque esconder isso de todos os demais?
– Estou contando agora, não estou? – Disse Oyá, firme e senhora de si – Poderia continuar a nada falar. É assunto que, afinal, só diz respeito às Deusas-Mães. Vocês, sejam meros homens mortais ou divindades masculinas, acham que podem nos dominar e que sabem fazer as coisas melhores que as mulheres ou divindades femininas, e não podem, e nem sabem! Nós muitas vezes deixamos vocês se acharem os “maiorais” só para que parem de nos importunar, vão se distrair com seus próprios assuntos e nos deixem fazer as coisas como devem ser feitas. Desde que vocês tomaram as sociedades de nossa mão, nos tempos mais antigos, convertendo-as do ancestral regime matriarcal, que era então baseado no paradigma do cuidado mútuo e na comunhão com a Natureza, para os seus muito inferiores sistemas patriarcais, erguidos à base da competição e da conquista e da dominação predatória da Natureza, que esta confusão está aí instaurada no mundo, e só fazia crescer. Ainda bem que, depois de tantas eras, as mulheres voltaram a se emancipar e as deusas-mães se uniram e resolveram tomar as rédeas da situação. Senão, a essa altura, já estava tudo perdido. Confirmei com meu testemunho a fala de Tupã, mesmo correndo o risco de ter traído minhas mães e irmãs, apenas para que vocês aqui entendam a importância do que ele está tentando realizar. Sejam menos tapados e escutem-no! Que ainda me decidirei se me sinto mais à vontade com os deuses do Trovão ou se me junto mesmo às Deusas-Mães.
Xangô estava atônito. A fala de Oyá fora atordoante para muitos outros.
– Tem mais, meus caros! Talvez nós estejamos atrasados e sejamos mesmo algumas das últimas divindades que ainda não se encaminharam para firmar entre os nossos semelhantes uma Unidade Arquetípica! – Disse Tupã, ainda mais jovem, agora na plenitude de seu aspecto adulto – Eu converso muito, com todos. Respeito, admiro e sinceramente aprecio escutar a cada um, mortal ou deus, masculino, feminino ou dos gêneros transcendentes a esse binômio; são todas e todos entes auto-conscientes, assim como eu dotados de dignidade e fadados a tomar decisões e arcar com as consequências disso, assim como eu expressões de combinações complexas de energias cósmicas, todos nós iguais diante do mysterium tremendum por trás do ser e do existir. E foi assim, conversando, que Y-îara, a “Mãe D’água”, confidenciou-me sobre o pacto das Deusas-Mães, e, noutra ocasião, que Ya-ci, a divindade lunar que protege os animais, disse-me isso que agora estou também a revelar, logicamente, após pedir e obter das duas a devida permissão. É bem possível, meus caros, que, antes mesmo das Deusas-Mães, as divindades lunares já tenham se organizado como uma Unidade Arquetípica desde 1969!
O espanto se misturava com uma série de sentimentos conflitantes e se alastrava naquela assembleia sob múltiplas formas de balbúrdia.
Então, Thor, com ar pesaroso, ergueu-se, fez um gesto amplo, pedindo a atenção e a boa vontade dos ouvintes, e começou a dizer:
 – Irmãos trovejantes, tenho algo muito sério a revelar também! Fui tomado de assalto pelos rumos que este nosso Simpósio tomou, em especial após a fala marcante da deusa yorubá do Trovão, a bela orixá Oyá, porque sei de outros deuses que há muito já firmaram entre si essa Unidade Arquetípica a que o Tupã aqui alude. Refiro-me às divindades marciais! Sim, aos deuses da Guerra! Oras, meu irmão em armas e nas batalhas, Tîwas, chamado por alguns de Týrr, o justo, filho do sábio gigante do mar do inverno, Hymir, com o qual vivia na fronteira do céu, e que mesmo não sendo um aesir se tornou um dos mais admiráveis guerreiros de Ásgard, capaz de sacrificar o próprio punho direito para que pudéssemos vencer o terrível deus Fenris-lobo, foi quem me confidenciou que a primeira Unidade  Arquetípica entre as divindades marciais do nosso mundo remonta pelo menos ao ano de 1914, chegando inclusive a me convidar para participar dela, em mais de uma ocasião.
Aquilo era um escândalo! Os deuses do Trovão estariam mais de um século atrasados! Como estavam ultrapassados, pensavam muitos ali!
– Escutem-me, irmãos trovejantes – Prosseguiu Thor, fazendo sua voz tonitruante sobrepujar o vozerio da assembleia consternada – Eu cheguei a integrar o pacto com os deuses marciais por um breve período, entre 1929 e 1945, mas o deixei por não concordar com o tipo de guerra que era estimulado. Fiquei sabendo, por último, que essa unidade ficou rachada em duas grandes facções desde a época que saí até 1989, quando se estilhaçou de vez. E que ela permaneceu a década seguinte abandonada. Mas uma parte dela foi recomposta, mais recentemente, em 2001, pelos deuses da guerra mais malignos e terríveis dentre todos, que almejam a deflagração da terceira guerra mundial em nosso mundo, liderados por Fobos e Deimos, os filhos de Ares, os deuses marciais que propagam o Terrorismo. Sei, ainda, que há um esforço em debelar essa liga do terror e recompor a aliança entre os deuses da guerra menos sanguinários, esforço esse atualmente liderado principalmente por Týrr, meu irmão, o deus marcial nórdico, e Atena, a sábia deusa guerreira olímpica.
Depois disso, um tanto sem jeito, o grandalhão ruivo viking sentou-se meio desengonçado. Talvez houvesse falado demais, mas fora necessário.
Tupã agradeceu aos deuses pela generosidade em compartilharem aquelas informações e experiências tão valiosas, e já ia avançar na questão do detalhamento de como funcionaria a Unidade Arquetípica quando foi, para a sua própria surpresa, interrompido delicadamente pelo seu poderoso pai.
 – Acabou se tornando quase que um confessionário este Simpósio, repleto de revelações impactantes! – Disse Nhamandu – E peço perdão por me intrometer neste congresso de deuses do Trovão, mesmo não sendo um de vocês, mas, como pai de Tupã, que o ajudou a recepcioná-los todos, creio que possa falar brevemente. Caros deuses dos fenômenos atmosféricos, que governais em especial sobre as tempestades e os raios, realmente acredito que tenha chegado a hora de acrescentar mais uma revelação àquelas aqui já colocadas... Não é mesmo, Zeus? Que achas, Perun? É hora, meus amigos?
Zeus, o Pai celestial olímpico, e Perun, o Pai celestial eslávico, assentiram com Nhamandu, o Pai celestial tupi-guarani. Depois de tudo o que fora falado, eles não podiam mais se calar. Era o momento de abrirem o jogo.
– Os Pais Celestiais dos vários panteões, patriarcas das famílias divinas às quais cada um de vocês se integram, também firmaram uma Unidade Arquetípica  – Disse Perun, que também era o deus russo do Trovão – Foi em 1945, logo após descobrirmos a atuação conspiratória dos deuses da Guerra, que estimularam, com o intuito de auto-beneficiar, às duas grandes guerras em que o mundo mergulhara, em apenas uma geração, até então. Reunimo-nos e tratamos com seriedade a questão da gravidade e urgência de nós mesmos, Pais Celestiais, que sempre fomos identificados com a Justiça, com a Ordem, e, desse modo, com a promoção da paz e do bem comum, agirmos como chefes das nossas nações divinas e nos comprometermos reciprocamente a promover a fraternidade entre todos os indivíduos e entre os nossos povos.
– Não fomos nós que começamos a conspiração, mas nossos próprios irmãos e filhos, que, segundo suas naturezas, se uniram para se banquetear da Guerra – Disse Zeus, com gravidade no tom de voz que até soava estranho a um tipo reconhecidamente tão fanfarrão quanto ele – De nossa parte, no intuito de promover verdadeiramente a confraternização universal e a paz dos povos, acabamos abraçando as últimas luzes do Iluminismo que remanesceram até esta época da pós-modernidade, em suas múltiplas expressões, desde os Direitos Humanos até os movimentos constitucionalistas, desde os Estados de Direito até o adensamento das relações internacionais e a valorização da Dignidade das Pessoas, sempre buscando recolher em cada coisa o melhor para a concretização da Fraternidade Universal e da Paz entre as Nações.
– É claro que, com isso, descobrimos meio que acidentalmente que a rede que nós, Pais Celestiais, formávamos entre nós, com a nossa Unidade, era capaz de recolher energias de crenças que não eram propriamente nossas, enquanto divindades míticas tradicionais, mas dirigidas, por exemplo, à Constituição dos Estados Democráticos, à Independência dos Países e à Soberania de cada Nação, à Interdependência e Cooperação dos Povos, à Fraternidade, à Paz, à Justiça, à Dignidade Humana e aos seus Direitos inerentes, às relações diplomáticas... – Disse Nhamandu – E isso permitiu que, compartilhando entre nós essas energias, mobilizadas por essas novas instituições e ideais, a que direta ou indiretamente nos ligávamos, por associação simbólica, recobrássemos muito de nosso antigo poder. Ainda não entendemos completamente nem mesmo como tudo isso funciona, mas podemos atestar que a Unidade Arquetípica funciona maravilhosamente bem para os deuses, e pode mesmo nos levar a atravessar estes dias de escassez.
E dessa vez foi Tupã que ficou impressionado e até sem palavras.
Depois daquelas partilhas e explanações todas, firmava-se naquela assembleia de deuses do Trovão o entendimento de que era preciso mais do que nunca se adaptarem aos novos tempos. E ali estava, diante deles, a porta aberta e o caminho traçado de como melhor poderiam fazer isso.

* * * * * * * * *

O Simpósio do Trovão avançou pela tarde e pela noite, naquele dia, sem grandes pausas para refeições, com os lanches e os líquidos sendo servidos discretamente por Nhamandu durante o desenrolar mesmo dos trabalhos. Para fazer qualquer necessidade, bastava ir até um riacho de águas cristalinas que corria por ali perto, conforme fora indicado, sem maiores cerimônias. E nesse ritmo tudo fluiu muito bem. E mesmo quando a assembleia foi encerrada, as refeições frugais do fim do dia servidas, os animais e montarias sobrenaturais postos para descansar, cada participante tendia a seguir em colóquios privados que expandiam certos aspectos das conversações que tinham ocupado aquele dia tão produtivo. Não conseguiam parar de dialogar sobre aqueles temas tão caros, que tocavam suas essências, suas identidades e seu futuro.
Havia aconchegantes redes e mantas dispostas para todos, mas alguns simplesmente não conseguiam dormir, e ainda assim se sentiam bem como raras vezes haviam se sentido em todas as suas longas existências. Assim, vagarosa e progressivamente, despontou no horizonte um novo dia, primeiramente em tons cinzas sobre um mar escuro-prateado, depois em tonalidades cada vez mais claras e carmesins, até que, da aurora, ergueu-se o sol glorioso e fulgurante por sobre o mar, renovando todas as coisas. A luz quente invadiu em jorros abundantes o mundo inteiro e dispersou as sombras, e tudo o que ainda dormia naturalmente despertou, o mar, a terra, os ventos, as matas, tudo estava agora acordado e vivo, em cores renovadas e vívidas.
Passara a madrugada. Chegara a primeira hora da manhã. O sol se levantava no oriente. As nuvens brancas se revestiam de raios de luz multicor.
Nhamandu, cerelepe, trouxe aimpim, que alguns chamam de mandioca ou macaxeira, em generosas porções cozidas e outras fritas, e também como ingrediente do recheio de muitos bolos doces saborosos, por vezes misturado com côco ralado ou o seu leite; trouxe cuscuzes quentinhos de fubá de milho, muitas espigas de milho assadas, bacias de pipoca, um caldeirão de canjica e outro de mungunzá com milho verde e milho branco, numerosas bananas da terra tanto cozidas quanto fritas, cumbucas com jenipapo na forma de bolinhas e fatias docinhas e licores feitos de seu sumo, biscoiteiras com bolachinhas de polvilho e de goma, travessas de batatas doces, assadas e fritas, sacos de castanhas de caju torradas, canecos com amendoins cozidos e outros torrados, pães de batata, de farinha de milho e até de côco, tapiocas, e uma miríade de outras iguarias, afora os baldes de água de côco, de mel de cacau, de caldo de cana, e os litros de sucos e as frutas tropicais, mangas, cajás, acerolas, laranjas, graviolas, melancias, os frutos doirados do cacaueiro, e muitas outras, tudo tão divinamente preparado, e tão abundante, que os deuses, em especial os estrangeiros, se refestelaram naquela orgia gastronômica, e só pararam, um tanto a contra-gosto, porque realmente tinham de encerrar o Simpósio, para não desperdiçarem o valioso tempo longe de seus lares.
 Após as deliciosas comilanças, os deuses retornaram para o cume do outeiro, plenos de contentamento e, por incrível que pareça, também de leveza, sentindo uma mudança interior. Tupã acertara em fazer questão de que esse Simpósio fosse realizado nesta realidade edênica. Talvez, em nenhum outro mundo, as coisas pudessem dar tão certo e tudo se acertar entre sujeitos tão intempestivos e tempestuosos, tão diferentes entre si e difíceis de dialogar com franqueza e abertura fraternal, de personalidades tão excêntricas, marcantes e obstinadas, quanto os deuses do Trovão dos variados panteões do mundo. Felizmente, aqui essa comunhão era possível. E quem sabe, até em outros lugares menos propícios também fosse possível, com alguma boa vontade.
Só aquele dia no paraíso infelizmente lhes custara centenas de dias na realidade central, um tempo precioso em que muita coisa poderia ter ocorrido... Mas valera à pena. E pelo menos Tupã se recuperara realmente como se tivesse passado praticamente um ano inteiro somente a se curar desde que suas forças haviam sido drenadas. Estava tão jovem quanto realmente era, com todas as suas energias devidamente reabastecidas. Tupã, jovem-adulto, de pé, na assembleia dos deuses, reabriu os trabalhos com satisfação e falou:
– Quero agradecer a todos vocês, que se permitiram chegar até aqui e que se abriram à mudança, certamente para a melhor, porque capaz de nos colocar no mesmo ritmo, no mesmo compasso e sintonia ditados pelo espírito do tempo na realidade em que vivemos, e também capaz de nos harmonizar entre nós mesmos. E até aos que provavelmente não integrarão a nossa Unidade Arquetípica, como Oyá, e algumas outras deusas aqui presentes, que me parecem estar mais inclinadas a se unir às Deusas-Mães, ou ainda tal qual Zeus, Pai dos deuses olímpicos, e Perun, Pai dos deuses eslavos, e meu pai, Nhamandu, chefe do nosso panteão tupi-guarani, e se houver mais algum líder de Panteão aqui, que eu esteja a me esquecer, perdão, que vão provavelmente continuar junto à Unidade dos Pais Celestiais, quero agradecer, de coração, pelas valiosas contribuições, pela colaboração. A todos, muito obrigado! Sem o esforço de cada um, de sair de suas pátrias, de quererem dialogar com outras culturas por vezes tão estranhas para nós, de se disporem a fazer essa jornada de alteridade e encontro, nada disso seria possível. Gratíssimo, a todos!
  – Nesta conclusão dos nossos trabalhos, é preciso ressaltar que o juramento com o qual nos comprometemos reciprocamente ontem durante a passagem da tarde para a noite, no crepúsculo, com magia poderosa e afetos profundos, nos une a todos em torno do Arquétipo do deus do Trovão. Ficou muito forte para mim, depois de ontem, e creio que para vocês também, que o nosso papel nestes novos tempos não é mais servir de ponto de imputação às mistificações sobre as descargas elétricas, sobretudo as que clareiam a noite, durante as tormentas. Os mortais já encontraram explicações para isso de formas que lhes servem melhor do que crer que estamos martelando, tocando tambor, ou semelhante, lá nos céus. E se precisam de energia elétrica, eles ligam o interruptor, põem o carregador na tomada, fazem usinas hidrelétricas, e por aí vai. Portanto, não temos mais como insistir só nessa via tradicionalista.
  – Pelo contrário, o que os mortais muito anseiam e nós, enquanto mitos reunidos no Arquétipo do deus do Trovão, podemos oferecer é um simbolismo forte, com rica significação e profundidade, para lidar melhor com seus próprios conflitos intrapsíquicos e interpessoais. A noite destes tempos pós-modernos não é mais a mera falta de luz, é sim a desesperança, o niilismo, ou por vezes a ignorância, o medo do desconhecido, e até mesmo o fanatismo. Assim como o raio rasga essa escuridão da noite em um clarão que ilumina o céu inteiro, mesmo que por um só instante, nosso simbolismo pode ajudar as pessoas a perceberem que nem tudo está perdido, que ainda há luz, há esperança, há um sentido para a vida! Que sempre será possível se lançar, e sair de si, e ir ao encontro do outro, não com uma fé cega, mas com uma fé purificada pela luz da razão. Nosso Arquétipo tem o caráter viril e fecundo de não se acovardar, não se ensimesmar, mas enfrentar essa escuridão da noite do mundo, por vezes dando um choque de realidade, uma sacolejada, um despertar, de modo enérgico, contagiante, para produzir algo bom, para vencer as trevas.
– A grande tempestade destes tempos sombrios não é mais exterior, mas interior. As pessoas vivem conturbadas psiquicamente, sem inteligência emocional ou relacional para lidar com seus problemas, sem paz interior, sem abertura, fechados em si mesmos, na tempestade em seus copinhos d’água, sem auto-controle, sem auto-determinação, sem auto-confiança, sem uma auto-estima mais sólida. E nosso Arquétipo de deus do Trovão carrega esse simbolismo de dominar as tempestades. Portanto, podemos ajudar as pessoas a entender que não é o fim se tudo estiver tempestuoso em seu íntimo, em suas relações, em sua vida. Isso passa! A tormenta passa! Após a tempestade, vem a bonança! É preciso serenidade para enfrentar as horas de maior instabilidade e caos, e firmeza para seguir adiante. Podemos subjugar qualquer tempestade e reparar os seus efeitos, por mais desastrosos que sejam, em especial se fazemos isso com a colaboração dos outros. Não somos senhores absolutos de nós mesmos, mas podemos exercer ao menos o senhorio sobre as nossas próprias tempestades. Nenhum problema é maior que nós mesmos. Somos muito maiores que qualquer tempestade ou tormenta que nos vier!  
  – Nosso papel, meus caros deuses do Trovão, é inspirar as pessoas a serem heróis em seus cotidianos! E quando elas acreditarem que a sua noite não precisa ter escuridão, que elas podem irradiar e eletrizar umas às outras, que elas possuem em si toda essa energia chocante e que podem disparar raios para fulminar as trevas espirituais, psíquicas e sociais aonde estiverem, para dissipar quaisquer que sejam as tempestades em suas mentes e em seus corações, em suas relações e em seus ambientes, e que vale à pena se lançar, encarar o desconhecido, dialogar com o outro, se permitir experimentar a fundo a aventura da própria vida com a luz, a energia, o vigor, a paixão, e a vontade de lutar por aquilo que ama, com a coragem, com a determinação, de um deus do Trovão, por certo as energias mobilizadas por essas crenças maravilhosas vão ser coletadas pela rede gerada pela nossa Unidade Arquetípica, e vamos todos nos beneficiar disso, e vamos todos poder compartilhar disso tudo.
A isso, todos os deuses ali presentes se levantaram e aplaudiram de pé.
Muitos estavam emocionados, em especial os mais velhos. Sentiam que algo velho havia acabado e algo novo começava ali. Algo capaz de abalar os fundamentos da realidade. Capaz de recriar o mundo. Pela primeira vez em muito, muito tempo, aqueles deuses acreditavam em si mesmos, e tinham fé na humanidade. Genuinamente, sentiam que o impossível agora era possível.
Tupã foi ainda longamente ovacionado.

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No encerramento do Simpósio do Trovão, Nhamandu revelou algumas últimas dádivas aos deuses que se preparavam para partir. Primeiro, lhes disse que estocara no drakkar bastante comida e bebida para a viagem de todos de volta, e até para eles levarem às suas casas, e compartilharem com quem desejassem, pois havia tudo em abundância. E já essa notícia foi recebida com muita alegria. Depois, o que era ainda melhor, Nhamandu disse aos deuses do Trovão que eles não precisariam voltar com suas próprias energias para a realidade central, pois ele lhes daria uma relíquia. Era, na verdade, um côco de tucumã, lacrado com cera de abelha e outras resinas, do qual saia um zumbido constante, que combinava os ruídos noturnos de cigarras, sapos e grilos. Mas ao derreter a cera e as resinas, de dentro do côco de tucumã seria liberado um redemoinho de poder que levaria instantaneamente o navio-dragão, com todos os seus tripulantes, de volta para a sua realidade de origem. Era um dos últimos que Nhamandu e a Cobra Grande haviam fabricado, muito tempo atrás.
A notícia de que não seria necessário aquele dispêndio de energia de cada um foi festejada, e Tupã e Nhamandu foram celebrados como grandes anfitriões. De fato, fora tudo um sucesso. Tudo transcorrera da melhor maneira. E quem não veio, perdera. Poderia ouvir os relatos depois, entusiasticamente contados pelos participantes do Simpósio, e, se quisesse, até aderir ao pacto e passar a integrar a Unidade. Mas essa experiência que ali se dera fora única, e jamais poderia ser repetida exatamente da maneira como acontecera, com cada um daqueles que ali estiveram reunidos. Todos estavam tão felizes e agradecidos uns aos outros, e se sentiam tão próximos uns dos outros por laços tecidos com tanta leveza, bem como tão indestrutíveis, que se poderia dizer que fora vivenciada ali realmente uma experiência religiosa, o que, por incrível que pareça, era algo extremamente raro de ser vivido entre os deuses. Todo o esforço valera à pena. Todo o planejamento. Tudo. Houve variados agradecimentos pessoais de congressistas a Tupã e a Nhamandu, e Tupã também agradeceu de maneira especial aos que estiveram com ele desde o início, ajudando-o, como Thor e Zeus. Logo que pudesse iria agradecer a Ogum também.
Após arrumarem as montarias e demais criaturas sobrenaturais de companhia, ajeitarem os últimos preparativos, embarcarem todos no drakkar, antes que o sol estivesse a pino no céu, os deuses do Trovão que vieram, com exceção de Tupã, que ficara na praia ao lado de Nhamandu, abriram o côco de tucumã no meio do navio-dragão, e foi como se a embarcação e todos os que nela estavam fossem envolvidos por um manto de escuridão e logo em seguida desaparecessem daquele paraíso. Eles saíram da sintonia com os padrões vibro-energético-informacionais daquela realidade circundante paradisíaca, e voltaram a se sintonizar e a se inserir na realidade central da qual haviam antes partido, embora, por prudência, em seu Imanifesto, pois se aparecessem no mundo dos humanos acima do Limiar das Manifestações, nos Aspectos Manifestos da realidade, seria muito complicado explicar tudo aquilo e por certos muita gente iria simplesmente surtar.
Era noite novamente, mas, na cronologia própria daquele mundo central, já se estava em meados de setembro do ano seguinte ao qual haviam partido. Sem demora, o drakkar começou a velejar para fora da pequena baía. Dessa vez, o navio-dragão iria fazer o trajeto mais longo, e deixar todos em seus lares. Thor no remo-leme, degustava um cantil de licor de jenipapo, com o qual se encantara, enquanto dirigia sua nau. Zeus na proa gargalhava com Iansã e Xangô. Hinon descobrira em Lei Gong e Dianmu um parentesco distante. Raijuu, a fera de Raijin, irmanara-se às montarias de Catequil, Intillapa e seus filhos. Taranis e Tuireann contavam lorotas, enquanto remavam, junto com os polinésios e demais deuses. Aos poucos, uma tempestade elétrica se formava atrás da nau e começava a seguí-la e a se expandir, como efeito colateral da presença de tantos deuses do Trovão juntos em uma realidade que não era perfeita, mas acolhia de tudo, o bom e o ruim, o belo e o feio, o paraíso e o inferno, em todos as suas incontáveis gradações e matizes.
Mas, pelo menos, não era mais uma tempestade raivosa.
Era, sim, um temporal de esperanças.

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Cavalgando pelos céus por sobre a cidade, vendo aquela cena, estava Ogum, o orixá que ingressara na cavalaria santa, por sobre seu corcel, Embarr.
  – Demorou, mas saiu... Aleluia! – Estava feliz pois seu amigo, Tupã, conseguira o que tanto almejava, e isso faria bem a um número incontável de pessoas – Vamos, Embarr, temos de reportar logo essas boas novas e ainda temos muito o que fazer! Quando os Céus souberem disso, será uma festa!
E, assim, os sagrados cavalo e cavaleiro partiram rumo ao Infinito. Para muito além desta Dimensão e de suas realidades.
Entraram no mistério e sumiram.
Por um tempo.

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Nas praias ensolaradas do paraíso, Nhamandu e Tupã, pai e filho, a sós.
  – Que provação encaraste, Tupã! Que rito iniciático difícil e ao mesmo tempo tão digna e magnificamente bem vivenciado por ti, meu filho! – Disse Nhamandu, simplesmente realizado – Você será um grande líder! Já é um!
  – Graças a ti, pai – Retribuiu Tupã, afetuoso – E agora poderemos até ajudar outros deuses! Tenho certeza que as divindades solares, os deuses da morte e do renascimento, embora sempre tenham tido boas relações informais entre si, e com todos, ainda não formalizaram a sua Unidade Arquetípica! Se os Tricksters, aquelas divindades trapaceiras, já fizeram a sua Unidade, como eu acredito que sim, dado que tudo está tão bagunçado nas sociedades humanas, na Política, na Economia, no Direito, etc, essa seria a melhor forma de combater os efeitos nefastos e as consequências disso...
Nhamandu riu. Uma risada leve e gostosa.
Tupã apesar de tudo ainda era jovem. Tinha muito a amadurecer.
 – Ah, Tupã... O que fizeste com os deuses do Trovão foi realmente maravilhoso, e é uma resposta bastante adequada ao que a conjuntura pedia que  fosse feito. Antes as divindades isoladas em seus panteões e fechadas em suas próprias mitologias; agora os Arquétipos, o diálogo de alteridade intercultural, e a unidade na diversidade... – Disse Nhamandu – Realmente é algo muito positivo perante o nosso contexto atual... Não pense, porém, que essa é a resposta definitiva para todos os problemas do mundo! Talvez ajude, no atual contexto, em alguns aspectos... Mas tudo o que está no palco do Espaço e do Tempo, tudo nos Aspectos Manifestos de cada realidade, e até boa parcela do que transita pelo seu Imanifesto, é efêmero. Quando esse contexto atual mudar, haverá novos aspectos, que suscitarão novos conflitos, e a nova conjuntura demandará soluções novas. Enquanto o mundo for mundo, e estiver neste estado de caminhada, essa será a sua permanente dinâmica. Sempre haverá mais problemas para resolver, maiores ou menores. Não temos como forçar que tudo se resolva como julgamos que deve ser. E, de qualquer modo, o sentido não é resolver todos esses problemas do mundo de uma só vez para sempre, mesmo que isso fosse possível, e não é. Nós só temos de saber lidar com aquilo que nos chega, enquanto estamos neste mundo, pensando, sem dúvidas, naqueles que poderão vir depois de nós. Afinal, não ficaremos por aqui para sempre... Nem os mortais... Nem mesmo os deuses...
– Pai..? – Tupã olhou intrigado para Nhamandu – O que queres dizer..?
– Não só quero dizer, mas digo, efetivamente, Tupã, meu filho. – Falou Nhamandu – Sabe? A verdade sobre a consciência que tenho de mim mesmo é que me sinto muito velho... Sou muito mais antigo do que pensais; minha idade não se mede em anos, nem em décadas ou séculos, mas em milênios, muitos milhares de anos... E sobretudo sinto que já participei o bastante deste processo de ser-no-mundo; já dei a minha parcela de colaboração nas tramas das realidades por onde passei; cometi meus erros e acertos, tantos e tantos, pequenos e grandes, que nem sei mais, nem tenho mais razão ou ânimo de prosseguir; joguei o jogo tempo demais, filho; já  insisti, me corrigi, me renovei, o máximo de vezes que consegui, até me superei nisso; agora me esqueci até de como tudo começou, e de boa parte dos caminhos por onde passei. E neste exato instante sinto que não preciso mais continuar esta peregrinação.
– Queria há muito descansar... Este peregrinar vinha perdendo para mim gradativamente os seus atrativos e sentidos, mas, em última instância, não podia parar ainda, pois a minha missão não estava completa, já que o nosso panteão precisava de um líder, e eu não havia formado sucessores. Agora, vejo bem diante de mim esse novo líder. És tu, filho: Tupã, o novo campeão da história, o herói divino que personifica como nenhum outro o melhor no espírito dos povos do Brasil. Estás tão preparado quanto poderias estar para encarar seu destino. Tens bom ânimo e estás pronto para guiar tua família, nossa gente, e no desempenhar desse teu papel cometer teus próprios acertos e erros, trilhar teus próprios caminhos, e seguir adiante. Sei que farás tudo isso muito bem. Eu já não preciso mais prosseguir. Minha jornada está completa, pois me trouxe até aqui, onde e quando posso te passar o bastão, para que comeces a tua jornada. A minha realização é poder partir, sabendo que ficas para continuar esta missão de maneira renovada, do seu próprio modo, e que te preparei para encará-la tão bem quanto pude, e que já és neste teu começo muito melhor do que eu era quando comecei. Neste presente em que estamos tenho bem claro que sou apenas o passado, filho, mas você é o futuro.
Tupã sentia os olhos marejados. Nhamandu olhava-o docemente.
– Mas pai... – Disse Tupã, com a voz embargada – Para onde vais?
– Sinceramente não sei, filho; talvez nem os grandes Poderes Cósmicos saibam. Se eu fosse apenas um ente mortal, quem sabe fosse mais simples de responder isso, mas como já sou uma entidade mística-espiritual tudo fica mais complexo; não existem certezas metafísicas absolutas sobre o que há depois da morte, nem para os deuses – Respondeu Nhamandu – Mas diria, com as palavras mais simples que posso, que vou apenas dispersar o que em mim está agora condensado, e deixar minha essência fluir, junto aos grandes fluxos das energias imanifestas do Multiverso. Talvez eu não esteja mais realmente nem em lugar nem em momento algum, depois disso; talvez de algum modo novo, misterioso e radicalmente diferente do atual, passe a estar presente em toda parte, em todo tempo... Não sei mesmo... Mas isso não é importante. O que realmente importa é que enquanto viveres, tudo o que era essencial e bom em mim estará presente em tua vida, em ti e através de ti. E sempre estarei contigo quando quiseres ou precisar, filho, em tua memória e em teu coração.
Houve lágrimas.
E um caloroso abraço, que durou uma eternidade. Pois o que é eterno não se mede por sua extensão, mas por sua intensidade.
Para sempre, em especial naquele eterno abraço, o pai viveria no filho.
Nhamandu lentamente foi se tornando invisível e intangível. E quando Tupã se apercebeu, tornara-se o novo Pai Celestial tupi-guarani.
As ondas do mar verde-azulado irradiado de sol batiam na areia.
Houve uma tarde, e uma manhã.
Um novo dia.

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